19 de novembro de 2010

No “ritmo” da Congada: tradição e fé ao som de muitos tambores.





 20 de novembro é dia da consciência negra, data na qual as questões vivenciadas pela população negra ganham destaque. Todavia, o preconceito ainda velado em nossa sociedade deve ser discutido e combatido sempre. Infelizmente pouco se conhece sobre as culturas negras, suas origens e especificidades e facilmente encontramos pessoas que estereotipam e discriminam tais ações. Nesse sentido, resumo um trabalho entregue na disciplina de Antropologia da Música oferecida pelo prof. José Carlos no curso de Ciências Sociais da UNIFESP.
A congada ou congado, é uma manifestação cultural de matriz banto-africana, (do Congo, Angola e Moçambique, espalhados pelas lavouras de cana-de-açúcar, no Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais), influenciada pela religião católica. Trata-se de um ritual híbrido identificado pela coroação de reis negros e a louvação a santos católicos, através de bandas percussivas, realizada desde início do século XVII. Entretanto, essa manifestação permanece até os dias atuais, nos quais valores e tradições ancestrais são anualmente revividos “desde o período colonial, anualmente, as Irmandades escolhem “reis” que cumprem papéis rituais e sociais e são festejados com danças, músicas e teatralizações” (Alcântara: 2008, 166).
Ao serem separados do mundo e das pessoas que até então davam sentido à sua existência pessoal, como argumenta Mariana Mello e Souza, os africanos se reagruparam a partir de novos laços e identidades, tornando-se malungos durante a travessia do Atlântico, companheiros de senzala, membros de corporações de trabalho, irmãos de Nossa Senhora do Rosário.
Nesse contexto, o reino é um símbolo cultural reelaborado, pois sua fama de sua grandeza passada cruzou oceanos, e a coroação de rei negro na América Portuguesa destacava os aspectos africanos de seu catolicismo. “A festa do rei congo foi uma instituição, constituída ao longo dos séculos de escravidão, por meio da qual se organizaram as comunidades negras na sociedade colonial” (Mello e Souza: 1994, 266).
As confrarias religiosas, segundo Bastide, ofereciam aos bantos uma possibilidade de intermediação e adaptação à sua própria religiosidade, por dois motivos. Primeiro, a concepção de que os santos eram os intercessores entre os homens e Deus identificava-se com a ideia de que os ancestrais eram responsáveis por levar seus pedidos a Zumbi ou Zâmbi. Essa ideia vinha do entendimento de que a Virgem e os Santos viveram na terra antes de alcançarem o reino de Deus. Segundo, a existência de virgens e santos negros podia fazê-los pensar que estes tivessem sido ancestrais de suas raças, ainda que deslocados do familiar e vistos sob a perspectiva da esfera nacional (apud Alves, Vânia).
Nina Rodrigues foi o primeiro estudioso que se dedicou a congada, apesar de sua orientação evolucionista o autor contribuiu bastante na compreensão dos ritos congadeiros, classificados como primitivo pelo teórico que compreendeu a coroação do rei negro como expressão do sagrado. Segundo Silva, A característica histórica dos povos bantofones de promover a fusão de culturas diferentes foi entendida como marca da inferioridade, da incapacidade de se preservar a herança cultural” (Silva: 1994, 16).
Por sua aproximação a religião católica, a congada foi descriminada na academia e absorvida pelos folcloristas e pesquisadores como Mario de Andrade, que buscavam nossas origens autênticas. As danças dramáticas, como nomeou Andrade, apresentavam dois núcleos básicos: o cortejo que revelava a influência portuguesa com o catolicismo e a embaixada que remetia a representação coreográfica.
Florestan Fernandes desmascarou a “igualdade racial” brasileira, e em Congadas e Batuques em Sorocaba, argumenta que esse ritual promove a reversão simbólica das relações raciais assimétricas que marcaram a sociedade escravocrata (Silva: 2008, 28). E nos anos 70 Carlos Rodrigues Brandão realizou um estudo titulado Peões, Pretos e Congos, sobre o trabalho e as identidades étnicas em Goiás. Seu estudo é um marco apresentando uma abordagem relacional “pois negros e brancos haviam se construído enquanto sujeitos ao longo de um processo histórico marcado por relações interétnicas estruturantes das suas respectivas identidades” (Silva:2008, 30).
Brandão observou que “de fato no imaginário da cidade o ritual dos Congos permanecia categorizada como uma prática cultural identificada com os negros: “com o tempo do cativeiro” e “a África”. Notou ainda, que mesmo sendo praticadas a por trabalhadores braçais e de origem rural a Congada não era produto do exclusivismo étnico, mas contava com a presença de brancos e mestiços, embora a identidade negra se apresentasse mais fortemente demarcada nos tempos e espaços que antecediam o ritual.
As festas do Congado, marcadas pelo tempo cíclico dos mitos ao se apresentarem em outros contextos, precisam se ajustar a um tempo linear, com hora marcada para início e término da apresentação e com público de espectadores que envolve não apenas devotos. Realizando um movimento que se aproxima a bricolage definida por Lévi-Strauss, no qual sua “expressão é auxiliada por um repertório cuja composição é heterodita e que mesmo sendo extenso permanece ilimitado”. Os africanos agregaram novos elementos às imagens do seu sistema mítico, apoderando-se de figuras, tomadas do catolicismo português, criando uma livre e poderosa invenção: um mundo africano, onde eles se reconhecem.


Bibliografia sugerida

Alcântara, Ana Paula (org). “Congos, Moçambiques e Marinheiros: olhares sobre patrimônio cultural afro-brasileiro”. Uberlândia, Gráfica Composer, 2008.
Candé, Roland. A história universal da musica. São Paulo, Matins Fonte: 1994.
Lévi-Strauss, Claude. O Pensamento Selvagem.Campinas, SP. Papirus.2007.
Lienhard, Martin. O mar e o mato: Histórias da escravidão (Congo- Angola, Brasil, Caribe). Salvador, EDUFBA: 1998.
Mello e Souza, Mariana. Reis negros no Brasil escravista. Belo Horizonte, Ed. UFMG: 2002

7 de novembro de 2010

Pimentas e suas imagens: Estudo sobre a construção vivida e simbólica do espaço urbano de um bairro "periférico" da cidade de Guarulhos

Presença ou ausência?
Resumo da minha monografia:


Os caminhos trilhados por este trabalho buscaram problematizar a visão que permeia o senso-comum de que as privações, ausências de equipamentos urbanos e da ação social do Estado são os únicos definidores da vida da e na periferia. Para compreender suas complexidades, realizamos estudo etnográfico do Bairro dos Pimentas, uma região da cidade de Guarulhos que é classificada pelos jornais, discursos populares e movimentos sociais como periférica.
A pesquisa buscou perceber como os atores sociais articulam suas trajetórias específicas à identidade do bairro em seus discursos e práticas, e como suas interações fazem dos pimentas, O Pimentas, um bairro construído a partir de relações que vão além da sobrevivência e que o singulariza. Nesse sentido, buscamos refletir sobre as relações de identidade e alteridade construídas no bairro, resgatando a memória da região e as relações de sociabilidade entre seus moradores, que se mostraram reveladoras das experiências urbanas que permeiam o cotidiano dos moradores no bairro estudado. Articulado ao trabalho etnográfico realizamos diversos ensaios fotográficos, que foram fundamentais no sentido de perceber paisagens, evocar recordações, situações e lugares que não estão apenas no que é dito, mas que estão inscritos nos corpos, gestos e na memória, ou seja, nas relações e sentidos de quem vive nos Pimentas. As imagens do bairro de ontem e de hoje foram trazidas para a pesquisa no intuito de provocar uma interlocução que problematize um primeiro discurso já conhecido por todos que moram aqui ou não: o discurso da periferia carente e ausente.