20 de novembro é dia da consciência negra, data na qual as questões vivenciadas pela população negra ganham destaque. Todavia, o preconceito ainda velado em nossa sociedade deve ser discutido e combatido sempre. Infelizmente pouco se conhece sobre as culturas negras, suas origens e especificidades e facilmente encontramos pessoas que estereotipam e discriminam tais ações. Nesse sentido, resumo um trabalho entregue na disciplina de Antropologia da Música oferecida pelo prof. José Carlos no curso de Ciências Sociais da UNIFESP.
As confrarias religiosas, segundo Bastide, ofereciam aos bantos uma possibilidade de intermediação e adaptação à sua própria religiosidade, por dois motivos. Primeiro, a concepção de que os santos eram os intercessores entre os homens e Deus identificava-se com a ideia de que os ancestrais eram responsáveis por levar seus pedidos a Zumbi ou Zâmbi. Essa ideia vinha do entendimento de que a Virgem e os Santos viveram na terra antes de alcançarem o reino de Deus. Segundo, a existência de virgens e santos negros podia fazê-los pensar que estes tivessem sido ancestrais de suas raças, ainda que deslocados do familiar e vistos sob a perspectiva da esfera nacional (apud Alves, Vânia).
Nina Rodrigues foi o primeiro estudioso que se dedicou a congada, apesar de sua orientação evolucionista o autor contribuiu bastante na compreensão dos ritos congadeiros, classificados como primitivo pelo teórico que compreendeu a coroação do rei negro como expressão do sagrado. Segundo Silva, “A característica histórica dos povos bantofones de promover a fusão de culturas diferentes foi entendida como marca da inferioridade, da incapacidade de se preservar a herança cultural” (Silva: 1994, 16).
Por sua aproximação a religião católica, a congada foi descriminada na academia e absorvida pelos folcloristas e pesquisadores como Mario de Andrade, que buscavam nossas origens autênticas. As danças dramáticas, como nomeou Andrade, apresentavam dois núcleos básicos: o cortejo que revelava a influência portuguesa com o catolicismo e a embaixada que remetia a representação coreográfica.
Florestan Fernandes desmascarou a “igualdade racial” brasileira, e em Congadas e Batuques em Sorocaba, argumenta que esse ritual promove a reversão simbólica das relações raciais assimétricas que marcaram a sociedade escravocrata (Silva: 2008, 28). E nos anos 70 Carlos Rodrigues Brandão realizou um estudo titulado Peões, Pretos e Congos, sobre o trabalho e as identidades étnicas em Goiás. Seu estudo é um marco apresentando uma abordagem relacional “pois negros e brancos haviam se construído enquanto sujeitos ao longo de um processo histórico marcado por relações interétnicas estruturantes das suas respectivas identidades” (Silva:2008, 30).
Brandão observou que “de fato no imaginário da cidade o ritual dos Congos permanecia categorizada como uma prática cultural identificada com os negros: “com o tempo do cativeiro” e “a África”. Notou ainda, que mesmo sendo praticadas a por trabalhadores braçais e de origem rural a Congada não era produto do exclusivismo étnico, mas contava com a presença de brancos e mestiços, embora a identidade negra se apresentasse mais fortemente demarcada nos tempos e espaços que antecediam o ritual.
As festas do Congado, marcadas pelo tempo cíclico dos mitos ao se apresentarem em outros contextos, precisam se ajustar a um tempo linear, com hora marcada para início e término da apresentação e com público de espectadores que envolve não apenas devotos. Realizando um movimento que se aproxima a bricolage definida por Lévi-Strauss, no qual sua “expressão é auxiliada por um repertório cuja composição é heterodita e que mesmo sendo extenso permanece ilimitado”. Os africanos agregaram novos elementos às imagens do seu sistema mítico, apoderando-se de figuras, tomadas do catolicismo português, criando uma livre e poderosa invenção: um mundo africano, onde eles se reconhecem.
Bibliografia sugerida
Alcântara, Ana Paula (org). “Congos, Moçambiques e Marinheiros: olhares sobre patrimônio cultural afro-brasileiro”. Uberlândia, Gráfica Composer, 2008.
Candé, Roland. A história universal da musica. São Paulo, Matins Fonte: 1994.
Lévi-Strauss, Claude. O Pensamento Selvagem.Campinas, SP. Papirus.2007.
Lienhard, Martin. O mar e o mato: Histórias da escravidão (Congo- Angola, Brasil, Caribe). Salvador, EDUFBA: 1998.
Mello e Souza, Mariana. Reis negros no Brasil escravista. Belo Horizonte, Ed. UFMG: 2002